Com um crescimento de 25% em 2018 e com a abertura de três novos destinos este ano, o espanhol é sem dúvida um dos mercados quentes do aeroporto do Porto neste momento.
Apesar da curta distância física e da proximidade económica e cultural, o mercado foi ignorado durante muitos anos, ficando praticamente restrito a voos para Madrid, Barcelona e aos habituais charters de Verão. Hoje a oferta é muito mais completa, havendo voos regulares entre o Porto e 12 destinos em Espanha, embora Madrid e Barcelona ainda concentrem o grosso da procura.
Esta é uma análise de duas partes. Na primeira olhamos para o mercado de uma forma global, caracterizando a oferta a partir do Porto e comparando-a com os restantes aeroportos da faixa atlântica. Na segunda parte a análise será destino a destino, para identificar de forma detalhada onde estão as oportunidades para o desenvolver.
Sumário
- Mercado espanhol é atualmente o 3º maior do AFSC e um dos que mais tem crescido;
- Madrid e Barcelona responsáveis por 86% da procura Porto-Espanha em 2018;
- Inicio de voos diretos a Alicante, Bilbau, Málaga e Sevilha nos últimos 12 meses sinaliza foco crescente em rotas fora Madrid e Barcelona, mas frequências ainda são reduzidas;
- Operação charter cada vez mais forte, mas sem sinergias com operadores regulares;
- Comparação com peers regionais pouco favorável, mas demonstra margem de crescimento;
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Visão geral

Olhando para os últimos anos, é fácil entender a força que o mercado espanhol ganhou no Porto. Entre 2013 e 2018 o nº de passageiros praticamente duplicou, sendo agora o 3º maior mercado do aeroporto Francisco Sá Carneiro (AFSC), apenas atrás do francês e do português.
Esse crescimento deveu-se praticamente na totalidade aos aumentos para Madrid e Barcelona: 9 de cada 10 novos passageiros entre o Porto e Espanha foram ganhos nestes corredores, que elevaram o seu peso no mercado de 81% em 2013 para 86% em 2018. Nas restantes rotas, existiu até algum um retrocesso comparativamente aos números de 2011, embora a tendência seja de leve crescimento desde 2014.

Contudo, este ano começaremos a ver o fenómeno contrário. A abertura de rotas como Alicante, Bilbau ou Málaga este Verão, juntamente com Sevilha, que iniciou em finais de 2018, garantem um aumento do nº de passageiros em novos destinos praticamente igual ao que terão as rotas de Madrid e Barcelona combinadas. Para o Inverno a relação andará na casa de dois novos passageiros de/para Madrid e Barcelona por cada um nas restantes rotas, uma evolução ainda assim muito significativa comparativamente a temporadas anteriores.
Para os próximos anos, a expectativa é de abrandamento do crescimento nas rotas que nos unem com os dois principais aeroportos espanhóis, ou até mesmo alguma consolidação. Já as restantes rotas encontram-se ou numa fase inicial ou com pouco desenvolvimento, havendo portanto mais margem nesses corredores.

Principais operadores regulares
Sete companhias regulares de passageiros servem atualmente este mercado. A principal é a Ryanair, com cerca de 38% da capacidade total, seguindo-se a Iberia, TAP Portugal e Vueling, com 17%, 15% e 14% do nº de lugares respetivamente. A completar o lote está a Air Europa, com 13%, a easyJet com 2% e a Volotea com 1%.

Há ainda 4 operadores de full-cargo a servir o mercado espanhol, seja como paragem intermédia ou como destino final. Em 2018 o volume total transportado de/para Espanha, excluindo mercadoria em trânsito, foi de 5.8 mil toneladas: 3.3 mil por Vitoria e 2.4 de/para Madrid. As restantes 100 toneladas foram transportadas de/para Barcelona, em voos regulares da TAP, e para Sevilha, numa operação temporal de FedEx.
[table id=1 /]Papel dos charters
Para lá dos voos regulares, Espanha é um dos principais mercados charter a partir do Porto. Almería, Fuerteventura, Ibiza, Gran Canaria, Lanzarote, Maiorca, Menorca e Tenerife são alguns dos destinos clássicos da temporada de Verão do Sá Carneiro. Com cerca de 65.000 passageiros em 2018, o segmento representou 5% do total entre o AFSC e o país vizinho. Para se ter uma ideia, os outros quatro aeroportos da faixa atlântica da Península Ibérica, juntos, movimentaram cerca de 60.000 passageiros charter a destinos espanhóis.
[table id=3 /]Lisboa teve neste segmento, durante muitos anos, operações idênticas às do Porto. As agências de viagem preparavam toda a programação para os seus clientes de forma global, e apenas dividiam as partidas dos charters entre Lisboa e o Porto.
Recentemente, o aparecimento de operações regulares desde a capital para alguns desses destinos, como Las Palmas, Tenerife, Palma de Maiorca ou Ibiza, permitiu limitar o nº de charters à partida de Lisboa em favor desses voos regulares. Os resultados foram muito positivos, não só por aumento de passageiros nos meses centrais de Verão, mas também por aumento do período de operação e pela captação de passageiros em conexão.
No Porto também se tem verificado aumentos de operações regulares para estes destinos, com a easyJet a oferecer voos diretos para Ibiza e com a Ryanair a reforçar as conexões a Palma de Maiorca, Las Palmas e Tenerife. No entanto, o facto dos operadores turísticos não trabalharem com estas companhias significa que não existem sinergias entre as partes, deixando esse potencial de mercado em aberto.

Relações com Espanha
Espanha é o principal fornecedor e cliente de Portugal. No ano passado o comércio bilateral atingiu 38 mil milhões de Euros, um aumento de 5% comparativamente a 2017 (Fonte: INE). O INE não discrimina este valor por regiões, no entanto, com o Norte e parte da região Centro a representarem mais de metade das exportações nacionais globais, seguramente parte muito significativa desse valor total se relacione com o catchment do AFSC.
O país vizinho é também um dos nossos principais investidores. Num estudo recente da consultora EY (Fonte: EY Attractiveness Survey 2019), Espanha aparece como 3ª principal origem de FDI (Foreign Direct Investment – Investimento Direto Estrangeiro) na região Norte em 2018. O caso mais relevante será o da Mercadona, a cadeia de supermercados espanhola que apostou no Porto e na região para iniciar a sua expansão internacional e sediar a divisão portuguesa.
Finalmente, Espanha é o principal emissor de dormidas para o Porto e Norte de Portugal, tendo esse número aumentado 4% em 2018 comparativamente a 2017. Espanha é também um dos principais destinos de férias dos portugueses, como provam os numerosos charters de Verão.
Contexto regional
Olhando para o entorno regional, a oferta do Sá Carneiro em voos para Espanha fica muito abaixo dos seus concorrentes. No ano passado, o grupo dos três aeroportos galegos liderou com mais de 4.2 milhões de passageiros em voos domésticos, seguindo-se Lisboa com 3.1 milhões e finalmente o Porto com 1.6 milhões. Espanha é o único mercado onde o Sá Carneiro fica na cauda da faixa atlântica ibérica.

Olhando com mais detalhe, os números apresentam nuances interessantes. No caso da capital, é fácil reparar como até há bem pouco tempo o volume do mercado espanhol era parecido ao que o Porto tem neste momento, isto apesar de Lisboa captar muitos passageiros em transferência. Não só isso, mas a própria evolução do mercado é praticamente igual à que o Porto está a sofrer, com foco no crescimento de Madrid e Barcelona e só mais tarde nos restantes destinos. Noutros mercados europeus temos observado como o seu desenvolvimento em Lisboa é um percursor do seu desenvolvimento no Porto, pelo que este acaba por ser um bom indicador.
Também do lado galego há detalhes importantes. O primeiro é o menor peso relativo das rotas de Madrid e Barcelona, e consequentemente, o maior desenvolvimento de rotas para o resto do território. Dentro desse grupo é importante salientar as conexões às Baleares e Canárias.
Excluindo Madrid e Barcelona, as ilhas espanholas representaram 55% dos passageiros domésticos dos aeroportos galegos em 2018, com os restantes destinos peninsulares a representarem 45%. Espanha, à semelhança do que acontece em Portugal com os subsídios de mobilidade para as RA, tem um programa de comparticipação de passagens aéreas para residentes das regiões insulares. No caso espanhol, a comparticipação acontece logo na compra do voo e cobre 75% do valor total do bilhete. Uma vez que esse subsidio apenas se aplica a voos domésticos, coloca os aeroportos galegos em clara vantagem para captar passageiros com origem nas ilhas, mesmo que esses passageiros tenham como destino Portugal. Por outro lado, isto cria uma oportunidade para captar o restante mercado, com origem na península, que sem acesso ao subsidio se depara frequentemente com preços inflacionados.
Outra vantagem que os aeroportos galegos têm em relação ao AFSC são os custos operacionais: as taxas aeroportuárias no Porto são entre 30% a 55% mais caras que na Galiza (simulação para rotação com avião A320. Dados: ANA e AENA), o programa de incentivos da AENA é mais agressivo que o da ANA e os subsídios das autoridades locais galegas são muito generosos. O gestor aeroportuário espanhol tem ainda em marcha uma campanha de baixa continua de taxas até 2021, enquanto em Portugal o modelo regulatório em vigor garante subidas todos os anos salvo que exista perda de passageiros.
A nível de impostos, voos entre Espanha e o Porto são considerados internacionais, e portanto não sujeitos a IVA, contrariamente aos voos entre a Galiza e outros pontos de Espanha. A própria questão das taxas, embora impacte os custos operacionais das companhias, incentiva a ANA a dedicar recursos humanos e financeiros para estimular o tráfego e desenvolver a infraestrutura no AFSC. Já na Galiza sente-se o efeito contrário, onde o incentivo para a AENA é em se focar totalmente nos grandes aeroportos da rede.
Contudo, o ponto mais importante é a distribuição dos passageiros entre os três aeroportos galegos. Se no caso de Madrid a distribuição é mais ou menos equitativa entre os três, o mesmo não se passa nas restantes rotas. Nessas, há uma clara concentração nos aeroportos do norte da Galiza. ficando Vigo com uma quota de apenas 16%, que excluindo Barcelona, baixa para 6% (período: 2018; dados: AENA). Tendo em conta o peso demográfico, populacional e económico da zona Sul da Galiza, é fácil entender que o aeroporto de Vigo não está a dar resposta a essa procura, que estará a fazer uso de Santiago, da Corunha ou de escalas em Madrid para as suas viagens domésticas. A nível de distância e custos de deslocação, o Porto estaria muito bem colocado para capturar esse tráfego.

Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças
Em forma de sumário recorremos à clássica análise SWOT ou FOFA em português (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças). Nela estão capturados os pontos previamente mencionados, bem como outros como a irrupção de serviços de autocarro baixo-custo entre o Portugal e Espanha, ou o potencial do Porto como ponto de transferência.
Está também sinalizada a questão da chegada do comboio de alta velocidade à Galiza, que se apresenta tanto como oportunidade como ameaça. O risco aqui é a aproximação da Galiza não só a Madrid, mas também para outras regiões espanholas, com o comboio passar a ser uma opção competitiva. Já a oportunidade prende-se com a previsível redução de voos entre a Galiza e Madrid. Menos voos e menos passageiros em ponto-a-ponto implica diretamente menos passageiros em conexão, principalmente em voos europeus onde as margens são mais reduzidas. A oferta europeia é uma das grandes forças do Sá Carneiro na Galiza, sendo as conexões via Madrid o principal competidor nesse segmento. Acresce, no caso de Vigo, que se a redução for particularmente acentuada, o aeroporto pode ver o seu horário permanentemente reduzido, limitando assim o seu espaço competitivo relativamente ao aeroporto do Porto.
[table id=4 /]Análise por destinos: Parte 2
A análise macro mostra-se assim muito positiva no que toca a perspetivas de desenvolvimento futuro do mercado. As ligações a Madrid e Barcelona atingiram já um patamar de desenvolvimento importante, mas na restante geografia ainda há muito por fazer. Na segunda parte olharemos com mais detalhe para isso mesmo, com análises individuais por rota, e calculando o potencial máximo para os próximos anos.
Excelente trabalho, Pedro! toda a qualidade a que nos habituou neste ‘blog’
Parabéns Pedro!
Um bom profissional se reconhece pelo seu trabalho. E tens aqui um trabalho excelentemente bem elaborado.
Aguardo com expectativa a segunda parte. . .
Obrigado Luis, Jorge!
Impecável.
Obrigado João!
Muito bom trabalho. Parabéns. Que venham mais rotas e frequências. Ainda no final da semana passada a Ryanair anunciou voo Lisboa – Saragoça. Se correr bem, quem sabe, replicarão no Porto!
Obrigado Diogo! Nem por acaso, quando comecei a escrever o artigo tinha em mente propor Saragoça como novo destino, mas acaba por depender muito do que o governo local está disposto a subsidiar. Abrindo Lisboa, fica menos provavel que queiram subsidiar uma 2ª rota para Portugal, mas nunca se sabe.
Lisboa não faz sentido a partir de Zaragoza sem a TAP. Muito menos Porto. É uma rota subsidiada que acabará cancelada mais cedo ou mais tarde.
Zaragoza não tem turismo internacional e é um mercado local muito pequeno. Por isso uma cidade de quase 700.000 habitantes tem um aeroporto de meio milhão de passageiros, onde praticamente tudo é subsidiado (Ryanair e Wizz Air, pelo menos).
Todas as rotas de pequenos aeroportos na Espanha para Lisboa acabaram canceladas. Além da TAP em OVD / LCG / VGO, a easyJet subsidiada operou o OVD-LIS (antes da TAP) cancelado e Air Nostrum SDR-LIS operou durante os dois últimos verões e cancelado este verão.
De Zaragoza, vôos para LCG, VGO e SCQ (com Air Nostrum e PlaZa) foram previamente tentados e também foram cancelados. ZAZ não tem nenhum destino peninsular em Espanha e há razões para isso.
Zaragoza? Esqueçam isso
Precisamente por ter uma população significativa e ter oferta de voos reduzida é que fica interessante. Com o nível de rendimentos há de certeza mercado para city breaks, e havendo voos para um par de destinos apenas a procura por esses destinos acaba por ficar inflacionada. Lisboa, por exemplo, é um voo muito curto e com 2 frequências serve esse mercado perfeitamente. Com subsidio em cima é um no-brainer. A Ryanair é a especialista nestas rotas.
Com a TAP precisaria de frequência, tarifas médias mais altas e passageiros em ligação, seria uma lógica diferente.
O problema de Saragoça é que nas rotas para Portugal na Ryanair só funcionará com o tráfego local de pessoas de Saragoça fazendo city-breaks para Lisboa. E esse mercado é muito limitado. A Ryanair gosta de ter uma mistura de turismo (em ambos os sentidos), VFR e, idealmente, negócios.
As rotas da Ryanair para a Europa (BGY, BVA, CRL, STN) em Saragoça têm ocupações muito discretas e, se amanhã eles tirarem o subsídio, não levariam nada para ser cancelado. Como aconteceu anteriormente em Valladolid ou Vigo.
No seu dia, a Ryanair chegou a experimentar rotas domésticas como Alicante e foram canceladas. E logicamente de ZAZ há muita mais demanda para um destino doméstico como ALC do que para o Porto ou Lisboa.
As ocupações não são brilhantes, mas também não andam longe do que seria esperado, e se alguma coisa poderiam sempre cortar nas frequencias. No caso de rotas para Portugal, teriam a vantagem da distância, ao serem sectores mais curtos seriam mais faceis de rentabilizar. Rotas como Porto-Marrakesh ou Malta, por exemplo, são praticamente só turismo emissor e não há problema.
Rotas domésticas a partir de Saragoça tem a concorrência fortissima do AVE, normal que não funcionem.
Não há trem rápido de Saragoça para Alicante (500 km por estrada) ou Múrcia (600 km). De Galiza ou Astúrias a Saragoça, há mais distância e não há trem rápido.
Portanto, há destinos domésticos (ALC, RMU, LEI, OVD, SCQ, LCG, VGO), onde poderia haver voos a partir de Saragoça. E, de facto, quase todos foram operados nos últimos anos (Ryanair, Air Nostrum, PlaZa) e falharam.
Se não houver, é devido à falta de demanda. Não é possível comparar OPO com ZAZ. O problema de Saragoça é que, embora tenha 700.000 habitantes, é cercado pola nada (literalmente o deserto, os Monegros). O seu mercado local é, portanto, muito pequeno. Com Madrid e Barcelona a 1h30′ de AVE. Saragoça não é uma cidade com alto poder aquisitivo, como Pamplona (onde voa a Lufthansa) ou Bilbao e San Sebastián.
O comboio é rápido suficiente para fazer estragos. Para as Canárias ou para as Baleares, onde o comboio não é opção, eles tem uma oferta bastante razoável considerando a situação. Mas vamos ver agora como corre Lisboa.
O facto de não haver voos, sendo um indicador importante, pode ser enganador. Até há pouco tempo o Porto tinha bem menos de 1 milhão de passageiros para Espanha, e este ano já vai chegar aos 2M.
Obrigado Nuno e Luís! A ideia é ir fazendo uma análise por mês, principalmente nestas alturas em que há menos novidades. Tenho alguns tópicos já alinhados, mas se alguém quiser sugerir um em particular, é questão de ver.
Excelente.
Como sempre, fenomenal analise, é um gosto ler o que o Pedro escreve.
parabéns.
Esperando com expectativa a segunda parte.